Por Cesar Kuzma – Teólogo PUC-Rio
A
minha intenção a seguir é, de maneira bastante breve, esboçar alguns pontos que
possam favorecer a discussão sobre o tema em questão. Trarei isso de modo
sistemático:
1. A importância da CNBB falar sobre
este tema
A
CNBB sempre foi referência por estar na vanguarda e por aplicar nas suas ações
e diretrizes as grandes novidades conciliares, fortalecendo o serviço da Igreja
ao mundo, sendo sinal, um sinal realizador. Portanto, falar sobre os Leigos,
dedicar uma Assembleia e um ano a esta vocação (até mesmo mais um documento) é,
na verdade, reconhecer aqueles e aquelas que estão em maior número no corpo
eclesial (a maioria) e que não querem (e não devem) mais ser tratados de
maneira passiva, como aqueles que sempre ouvem e recebem, ou como o povo
conquistado... Os Leigos de hoje, apontamos aqui todos os que assumem
verdadeiramente a sua vocação e missão, querem ser verdadeiros discípulos
missionários, querem (e devem) ser tratados naquilo que o batismo lhes garante
por direito, eles querem ser sujeitos eclesiais. Podemos dizer que eles têm o
“direito” de ter “dever”, e este dever é um serviço colocado para a edificação
da Igreja e para o serviço do Reino, um serviço no mundo. Os Leigos querem
exercer a sua autonomia, garantida pelo Vaticano II e que reflete uma
maturidade eclesial, exigida a toda a Igreja. Sabemos que muitos são os
desafios e grandes são os contextos, tanto sociais quanto eclesiais. Mas nos alegra e nos encoraja saber que os
Bispos do Brasil, em comunhão com toda a Igreja, estão decididos em seguir este
caminho. Parabéns! E Coragem! Nas palavras de Francisco: “Ousem e primeireem!”.
Precisamos disso!
2. Quem sou eu e qual é o meu objetivo
aqui
Meu
nome é Cesar Kuzma, sou leigo, melhor dizendo, um cristão-leigo. Tenho 37 anos
de idade, sou casado há 11 anos e minha esposa chama-se Larissa, ela é
Assistente Social. Nós temos dois filhos: a Julia, que tem 2 anos e 6 meses, e
o Daniel, de apenas 11 meses. Digo a vocês que a família é o que temos de mais
precioso e, também, é o que temos de mais sensível, pois tudo a atinge e nela
devemos ser sempre zeladores, cuidadores da vida que nos foi confiada e que é a
nossa missão, mas ao mesmo tempo devemos ser promotores da justiça e da
dignidade para todos. A vida familiar hoje nos coloca novos desafios e nos faz
pensar, de maneira aberta e conscienciosa o novo papel da mulher, o novo papel
do homem, a nova condição dos filhos, e a situação de todos os que da família
fazem parte e que dela se aproximam. Se a sociedade hoje é plural, esta noção
obriga a família, enquanto Igreja doméstica, ao exercício da acolhida, do
respeito e da promoção humana; sem reducionismos, sem fundamentalismos ou
extremismos. O exercício do Amor, que sacramenta esta união e condição eclesial,
nos abre a esta perspectiva.
Minha
trajetória eclesial começa por influência de minha mãe, uma mulher guerreira,
leiga engajada e comprometida, líder de pastorais e de comunidades eclesiais.
Uma mulher que sempre se colocou em serviço e sempre nos ensinou a servir, a
colocar-se a caminho, em marcha, sem aparecer, mas na simplicidade e no
testemunho. Fui membro da Pastoral de Juventude, onde iniciei a minha
caminhada, expressão da Igreja a qual sou bastante simpático e é um berço de
bons cristãos e de boas vocações, autênticas e proféticas com a causa do Reino.
Os ensinamentos de minha mãe e a experiência de Pastoral me levaram a outros
grupos, onde pude aprender e dar um pouco mais de mim mesmo. Isso me levou às
comunidades, às ações pastorais e sociais, às palestras e assessorias a grupos
de jovens, de casais e de pastoral social e cultural. Tenho orgulho do caminho
que fiz como leigo e digo que não saberia ser Igreja de outra maneira. Acho
sublime, e me encanta saber que a condição batismal, muito bem descrita na Lumen gentium nos garante esta
plenitude. Vejo no ser leigo algo peculiar, que o mantém aberto ao horizonte do
Reino proclamado por Jesus, que também era leigo, e por ser leigo estava
inserido no contexto de seu tempo e foi em seu tempo, e para os seus, um
autêntico testemunho; trouxe a todos o novo rosto de Deus, um Deus próximo e
solidário, um Deus que se despoja para nos atingir, que vem até nós e que nos
ama, um Deus que é Amor. Assim é o Leigo, é alguém que está no mundo, que se
despoja para estar nele, que é rosto da Igreja no mundo e o rosto do mundo na
Igreja, como atestou a Conferência de Puebla, e Aparecida repetiu e reafirmou.
De
minha mãe, já falecida (jovem aos 58 anos e praticamente nos meus braços),
aprendi a seguinte lição: 1) Caminhar com Cristo; 2) surpreender-se por Cristo;
3) e, o continuar a obra de Cristo, o Reino de Deus. Para ela, isso se fazia
servindo.
Esta
experiência comunitária e de pastoral me levou à Teologia. E fiz este caminho
por influência de Clodovis Boff, a quem tenho muito estima e respeito. A
graduação me levou à pós, ao mestrado e ao doutorado. Atuei como professor da
PUC do Paraná por 7 anos, sendo 5 anos como diretor. E hoje desembarco no Rio
de Janeiro, também na PUC, para exercer ali um ministério e uma pastoral. É a
Teologia a serviço da Igreja, um serviço no discernimento crítico de nossa
vocação e missão.
3. Algumas questões que nos tocam
enquanto leigos e que pude vivenciar, mesmo com pouca idade.
A questão do
clericalismo. O Papa
Francisco tem falado insistentemente sobre isso, falou aqui no Rio, tem falado
em suas homilias e deixou registrado na Exortação Evangelii Gaudium. Isso não nos é novidade, pois há tempos já se
fala sobre este assunto, mas algo precisa ser feito. O problema do clericalismo
é que ele nos leva a ver a Igreja apenas por um lado, não se vê o todo e
facilmente se cai na esfera do poder, não do serviço. Isso aparece em atitudes
do clero, mas também nos leigos, quando falta maturidade e a experiência
pastoral parece turva. Tal questão dificulta o exercício da vocação laical, pois impede o seu desenvolvimento,
retira a sua autonomia e não implica no respeito e na comunhão, não gera
fraternidade.
A
relação entre leigos e hierarquia.
É necessário dizer que há bons frutos desta relação e há bons caminhos
percorridos, mas isso não é uma regra. Em algumas situações, notamos que o
contato é áspero. Vejo isso muito mais como um efeito cultural do que
intencional. Chego a dizer que o clero, em parte, acostumou-se a viver
independente do leigo, ou a tê-lo em seu domínio; já o leigo, por sua vez e em
parte, acostumou-se por ficar dependente do clero, por ser mais cômodo, talvez,
o que não gera inquietação e compromisso. A falha está nos dois lados e apenas
uma maturidade de ambas as vocações pode mudar esse quadro.
O
trabalho do leigo na Igreja.
O que é? O que se quer dele? Sempre fui levado a trabalhar na Igreja pela experiência
e vivência de minha mãe. Vi a Igreja como uma extensão de minha casa, e a minha
casa sempre foi uma extensão da Igreja, sempre presenciei isso, principalmente
pelas inúmeras atividades que minha mãe exercia em sua comunidade. Mas
acompanhando de perto, vem a nós a pergunta: “a quem servimos com o nosso
trabalho?”. “Como somos vistos e de que maneira o nosso trabalho, como um
serviço eclesial/missionário/pastoral é importante?”. Falta aqui uma
intencionalidade mais clara por parte da instituição e também por parte dos
leigos, que atuam de coração aberto, livres e de boa vontade, sempre querendo
agradar. Falte, talvez, um reconhecimento, em vários níveis. É importante deixar
claro que o seu trabalho não é um plus
a mais, não é uma extensão ou um apoio, não é apenas suprimir uma falta... O
seu trabalho é um apostolado, pois é o próprio Cristo que o chama e o garante
em sua missão e o leva ao bom exercício da mesma, através do seu Espírito. O
Concílio Vaticano II afirma que os Leigos não estão sós e que sua missão não é
em vão, maneira como termina o Decreto Apostolicam
actuositatem.
A
questão ministerial.
É o que nos leva a uma questão urgente e importante que, penso eu, deve ser
tocada por esta Assembleia, não apenas nesta ocasião, mas em outras, e cada vez
de modo mais profundo. O que entendemos e o que queremos entender por
ministério? Aproveito aqui a presença do teólogo Bruno Forte que muito tem se
dedicado a isso. Faz-se necessário ampliar a compreensão que temos de
ministério, pois o mesmo está muito focado na sacramentalidade e no ministro
ordenado, e não se completa na condição do trabalho e do serviço de toda a
Igreja. Ou seja, a quem se destina e a quê? Se focarmos o ministério apenas, ou
com um reforço maior, na sacramentalidade, tornamos a comunidade refém de parte
do clero, ou mesmo infantilizada na fé; e esta não é a intenção que se quer
para os ministros ordenados. Com isso, a Igreja não atinge a sua identidade
missionária, para a qual convoca todos os batizados, cada membro do seu corpo,
cada qual com seu dom e carisma, e é o mesmo Espírito que sustenta a todos e
todos corroboram para a edificação da Igreja e para o crescimento de todos. Faço
lembrar que o documento 62, que já trabalhou a questão do laicato, e diga-se
bem, de maneira profunda, já aborda a questão da ministerialiade, chegando até
a ousar. Penso que as necessidades de nossas comunidades e de nossas
periferias, que no Brasil são longínquas, exigem de nós algo mais ousado. O
contexto eclesial que irrompeu com o Papa Francisco nos provoca a esta questão.
A
questão da formação, sobretudo, a teológica. Para este momento gostaria de trazer um pouco da minha
experiência de universidade e de gestão de curso de teologia. É um fato que os
cursos de Teologia não são destinados para uma vocação específica. A formação e
o entendimento teológico são necessidades de toda a Igreja que busca entender o
que crê; e, entendendo, tem a capacidade de discernir e, por isso, pode servir
mais e melhor. No entanto, é uma realidade que por muito tempo se deu uma
importância maior para a formação teológica dos seminaristas e religiosos e se
deixou de lado a formação teológica dos leigos; ou quando era oferecida, não
tinha o mesmo frescor e não abordava os mesmos conteúdos, pelo menos não em
totalidade ou em profundidade. Isso mudou com os anos, e hoje, principalmente
pelo bom desenvolvimento da formação catequética e pelo aumento (e de
qualidade!) dos cursos de Teologia no Brasil, sobretudo os que são reconhecidos
pelo MEC, temos um número grande (talvez até maior) de leigos que buscam a
formação teológica. Vejo isso como louvável, pois o interesse pelo qual buscam
não é o de uma obrigatoriedade, como um passo necessário para ordenação ou
votos religiosos, mas o entendimento, o amor a Cristo e à Igreja, o serviço. Tenho
acompanhado muitos leigos entrarem em cursos de graduação trazendo para estes a
riqueza de suas vidas, de suas experiências e de sua outra formação. Fazem da
Teologia um espaço público e de diálogo, não de respostas prontas; e neste
espaço eles a colocam na prática e no serviço. Contudo, nem tudo são flores
neste jardim... As dificuldades que os leigos enfrentam são maiores e mais
graves, pois não recebem apoio institucional, não recebem incentivos e ajudas
financeiras de suas comunidades e dioceses (salvo algumas exceções), precisam
acomodar os estudos com os afazeres do trabalho (em horários difíceis) e com a
guarda familiar, algumas vezes precisam pedir tutela (declarações) do bispo ou
do pároco para poder fazer este curso, o que tira a sua autonomia; e muitas
vezes, não são privilegiados com bolsas em instituições católicas, como
acontece com os seminaristas, o que não é apenas uma falta apenas para com
estes cristãos comprometidos, mas com toda a Igreja que necessita
“urgentemente” de formação, ressalto aqui uma formação que seja aberta e capaz
de dialogar, nunca, jamais de enfrentamento e de fechamento.
(os
dois pontos seguintes foram apenas
comentados, não lidos, devido ao tempo)
Continuando... Eu enfrentei este problema quando
dirigi o curso da PUC de Curitiba. Tínhamos um excelente curso, mas
pouquíssimos alunos. Na ocasião, em 2012, conversei com Dom Moacyr José Vitti,
conversei com a Pastoral da Arquidiocese e conversei com a Reitoria e com o
Provincial dos Irmãos Maristas (que administram a PUC). Consegui convencê-los
da importância eclesial deste curso e de como estava ligado à missão
institucional. Resultado: fechamos numa bolsa de quase 90% para todos os
alunos, deixando a mensalidade em R$ 150,00, em Curitiba e em Londrina. Isso para
todos: leigos, religiosos, seminaristas, ricos ou pobres, e também a nossos
irmãos protestantes, a todos. Resultado: abriram-se turmas cheias em Curitiba e
em Londrina, e isso se repetiu no ano seguinte. E mais, quase 80% são leigos e
leigas. Este exemplo poderia ser
repetido em outros lugares, ou se poderia ver mais exemplos parecidos e criar
novas perspectivas. É certo que o lado financeiro não garante o todo, mas
alguém tem que puxar este braço e oferecer, e quem pode mais, ajudar quem não
pode tanto.
Ainda
sobre a formação:
falo por experiência na gestão do curso de Teologia. Eu entendo as razões que
no passado se levou a separar a formação seminarística da formação laical, em
alguns casos, até da feminina. Todavia, em vista da questão do mundo de hoje e
da necessidade de se fortalecer a dimensão de Povo de Deus na Igreja, isso não
se justificaria mais. Seria um avanço muito grande se pudéssemos ter em uma
mesma sala leigos, religiosos e seminaristas. Isso engrandeceria muito. Precisaria,
evidentemente, respeitar o espaço de cada vocação e favorecer também (e isso
nos falta!) aspectos e disciplinas teológicas que favoreçam aquilo que é
específico da vocação laical, a sua atuação no mundo secular. Ressalto aqui,
que a formação universitária não é a única forma de se buscar conhecimento e
aprofundamento da fé. Faz sentido e é também urgente fomentar a formação em
vários níveis, também pastoral e popular, na experiência e na mística, em cada
pastoral e em suas especificidades, de modo que o entendimento do “ser” e do
“fazer” cristão se tornem uma realidade. A Igreja ganharia muito se acolhesse
também a sabedoria de muitos leigos e leigas, testemunhas vivas do Evangelho e
que marcam a vida de pessoas e mais pessoas. Tive isso com a minha mãe.
(Este final foi lido)
4. Para finalizar:
Digo
a vocês que os leigos querem servir, e precisamos ajudá-los a isso, para que
sejam verdadeiros sujeitos eclesiais, que atuem como luz do mundo e sal da
terra. Os leigos não querem ocupar um espaço que não lhes pertence; eles querem
ocupar um espaço que corresponde a sua vocação e missão, a fim de que possam
exercê-la e santificar-se, sendo testemunhas do Reino no mundo, com autencidade
e coerência, no serviço.
Digo,
aos senhores Bispos, que não é fácil ser leigo. Na nossa frente as portas ficam
mais fechadas do que abertas e nem sempre nos estendem a mão, nem sempre nos
escutam, nem sempre nos olham no rosto e nem sempre podemos falar. Por isso,
agradecemos esta oportunidade e de antemão agradecemos os frutos desta
Assembleia. Não queremos alimentar ressentimentos, queremos servir. No
movimento de Francisco, nós também queremos sair! Queremos primeirear! Sair enquanto Igreja! Uma Igreja em saída!
Que
o Espírito da comunhão favoreça o nosso entendimento e nos leve a servir, como
Igreja, como Povo, como Povo de Deus.
Obrigado!
Cesar Kuzma
PUC-Rio
Aparecida/SP, 01 de maio de 2014
Cesar
Kuzma é doutor em Teologia pela PUC-Rio e Professor/Pesquisador desta mesma
Universidade. É autor do livro “Leigos e Leigas”, da Editora Paulus.
Você pode
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